Por Aletheya Alves (Campo Grande News)
Mulher, jovem e do PT (Partido dos Trabalhadores), Camila Jara virou o “azarão” das eleições em Campo Grande. Tem 3 das características que ainda complicam o desempenho nas urnas. Mas ela venceu e agora está entre os 29 nomes no cenário da Câmara Municipal em 2021.
Filha de jornalista e professora, Camila será a caçula entre os vereadores, mas chega como a mulher mais votada, com 3470 votos. Com os pés no chão, literalmente, ela recebeu à reportagem em casa, no Bairro Nossa Senhora das Graças. Ela diz que só consegue pensar em ter conhecimento na ponta da língua, para enfrentar os dias que estão por vir.
“Lembro que estava vendo entrevista da Simone Tebet (MDB) do primeiro mandato e ela dizia que precisava estudar 5 vezes mais, entender 7 vezes mais do que os homens para eles a tratarem como igual”, justifica.
O que gera maior curiosidade sobre a conquista é como uma mulher jovem e desconhecida desbancou campanhas com orçamento graúdo, aos 25 anos de idade. Camila atribui o resultado à articulação com públicos diversos, desde que foi escolhida para a disputa eleitoral em setembro de 2019, até reta final da campanha.
Foram elaboradas 30 propostas pautando cidade e meio ambiente, educação e cultura, saúde e inclusão, segurança e economia, além da defesa de mandato participativo, com muitas cabeças pensando e definindo propostas. Mas a linguagem jovial nas redes sociais também foi estratégia que deu certo.
“A gente entrevistou 700 pessoas, especialistas de cada área, isso para desenvolver pautas que consigam abranger um público amplo. Investimos em pessoas que queriam mudança e novidade, assim fomos conquistando o voto tanto através das redes sociais quanto nas ruas”, diz.
Política na vida
Longe de ser novata no contexto político, Jara nasceu nas pautas sociais acompanhando a família.
“Minha avó é uma das fundadoras do PT em Campo Grande, meus pais se conheceram nos movimentos e eu cresci assim. Tomei consciência da importância, realmente, quando estava no Ensino Médio”, explica.
Ela conta que começou repensando o contexto escolar e foi parar em protestos na Capital e em Brasília. “Entrei no movimento estudantil, fui responsável por campanha e estudo esses assuntos há muito tempo”, diz.
Nem mesmo os bichos escaparam da imersão na política, a nova vereadora explica que toda a família é envolvida com as pautas em casa. Já os nomes dos gatos e cachorros vão desde Luíz Inácio até Pepe Mujica.
Espalhados pelo escritório compartilhado, livros que variam entre política, economia e comunicação preenchem as prateleiras da família. “Aqui tem coisa minha, do meu pai, enfim, tudo fica misturado porque a gente usa em conjunto. No meu quarto são coisas mais específicas minhas”.
Por lá, pôsteres de mulheres na política dividem espaço com ursos de pelúcia e livros de cabeceira. “Esse [O Livro da Sociologia] é muito bom, gosto porque é um acoplado de várias ideias e quando preciso tirar dúvidas já venho direto aqui. O Sapiens [Uma Breve História da Humanidade] também é muito bom, é interessante para pensar sobre trabalho, por exemplo”.
Já na penteadeira cor de rosa, o recado “deixe seu sorriso mudar o mundo, mas não deixe o mundo mudar seu sorriso” encaminha a conversa de volta para o âmbito familiar. “No início houve uma resistência da minha família, meu pai sempre diz que eu escolhi perder a minha paz. Eu acredito que política é se dedicar ao outro, sei que político trabalha o tempo todo, mas é justamente esse pensar nas pessoas que me faz gostar”.
Formação
Finalizando graduação em Ciências Sociais na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Camila conta que com a campanha finalizada busca encerrar o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e mira no mestrado em Ciências Políticas.
Tabata de MS
Antes de encarar a campanha, já em 2019 Camila investe em escolas de formação política. “Fiz o Vamos Juntas, Representa do PT, Elas no Poder e o Renova Brasil”. O problema é que o último é mal visto pela esquerda.
Resistente a princípio, Camila relata que a primeira reação diante da sugestão que recebeu para participar do RenovaBR foi de negação. “Eu falei que não ia, pensei que fosse um curso de direita, mas acabei fazendo sim. Acho que eles conseguiram equilibrar bem os pontos, mas até hoje escuto que sou a Tabata Amaral de Mato Grosso do Sul”, diz sobre a comparação com a deputada federal do PDT por São Paulo, chamada por muitos de “patricinha da política nacional”.
Contrapondo o comentário, ela justifica que as histórias são completamente diferentes e que comparações não fazem sentido. “Ela veio dos Estados Unidos, uma formação muito diferente. Eu tenho histórico de movimento social, estou no meio das pautas há muitos anos, sei meu contexto”.
Ao justificar a participação no projeto, Jara diz que vê necessidade da esquerda ocupar locais que são taxados como de direita. “Acho que precisamos cada vez mais influenciar nestes locais para garantir a participação variada”.
E as críticas?
Sem agradar totalmente nem mesmo a própria esquerda, Jara lembra que as críticas começaram no início da campanha e seguiram até a eleição.
“Você é nova demais, brigona demais, fala demais, sempre vai ser algo demais, nunca vai estar enquadrada em um padrão. Também tem crítica das próprias pessoas que estão em volta, o pessoal diz que poderia ter eleito uma mulher da periferia, por exemplo. Isso que meu bairro nem é fora da periferia, agora que chegou asfalto, tem sete anos”.
Vendo as falas da esquerda como construtivas, ela diz que concorda que precisa entender seu contexto e procurar contrapontos.
“Eu sei que sou uma mulher branca, tenho pais concursados, tenho que entender o lugar de que eu falo e pensar que só a visão de mundo que tenho não é suficiente para suprir todas as necessidades da sociedade. Procuro me cercar de pessoas que partem de realidades completamente diferentes e distintas da minha para que a gente consiga elaborar e atender o máximo de pessoas possível”.
Entre as principais propostas para o trabalho em 2021, Camila destaca a inclusão de minorias, políticas para educação, mobilidade urbana e o conceito de cidade inteligente. “Pensamos que a cidade precisa ser feita para as pessoas. As ruas precisam ser construídas com calçadas que suportem a população, as praças precisam ser ocupadas e cultura desenvolvida”.
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